terça-feira, 31 de julho de 2012

Garota Robotizada.

Como estamos vivendo, vale a pena? Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão. Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?' Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: 'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei: 'Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã...' 'Que tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação! Estamos construindo super-homens e super mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?'. 'Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa? Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais... A palavra hoje é 'entretenimento'; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro,você chega lá!' O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose. O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, autoestima, ausência de estresse. Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping-center. É curioso: a maioria dos shoppings-centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas... Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Deve-se passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do Mc Donald... Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático.' Diante de seus olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia:... "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser Feliz"!! Frei Betto. Pequena biografia: Frei Betto (Carlos Alberto Libânio Christo),(Nasceu em 1945), quando jovem frade dominicano esteve envolvido com as lutas revolucionárias de seu tempo, com a política e a arte. Militante de esquerda, simpatizante da luta armada, se dividia entre os estudos de filosofia, o jornalismo e a assistência de direção de José Celso Martinez Corrêa na histórica montagem de "O rei da vela", pelos idos de 1967. É escritor consagrado, com inúmeros livros de sucesso, dentre eles "Fidel e a Religião", coletânea de entrevistas com o líder cubano. --

domingo, 29 de julho de 2012

A BATATA.

Augusta estava muito chateada porque Lívia havia perdido um DVD que levou emprestado. Embora a menina já tivesse pedido desculpas, Augusta não queria brincar com ela. E, para completar, disse que não perdoava e que não queria mais falar no assunto. A mãe de Augusta, Dona Luísa, não entendia como uma amizade tão antiga e tão bonita poderia acabar, de repente e por um motivo qualquer. Sugeriu então: - Vamos fazer o seguinte: enquanto você estiver magoada com sua amiga, você vai carregar esta batata pra todo lado. Ela será sua nova amiga. Augusta concordou, contando que não precisasse desculpar Lívia, pois achava que assim daria uma boa lição na garota. Passou então a carregar a batata pela casa. Quando foi tomar banho, lavou a batata, colocou perfume e até desenhou uma carinha na nova amiga. No outro dia, antes de ir para a Escola, a mãe perguntou: - Vai falar hoje com sua amiga Lívia? - Nem pensar... – respondeu Augusta. - Então leve a batata para a Escola. – disse firmemente a mãe. Augusta achou estranho, mas no meio da mochila, ninguém ia perceber. Durante o intervalo, lembrou que Lívia era uma amiga muito legal. Teve vontade de desculpá-la, mas era orgulhosa: achava que estava certa e que a amiga devia sofrer. No dia seguinte a mãe argumentou que alimentar sentimentos ruins prejudicava somente a quem sentia. Mas nada fazia Augusta mudar de idéia. E, conforme o combinado, enquanto não perdoasse a amiga, carregaria a batatinha. - Por mim tudo bem – resmungou a menina cheia de mágoa. Porém, no terceiro dia, a batatinha começou a ter um cheiro esquisito. Perguntaram o que havia na mochila. Augusta desconversou. - Não dá mais! A batata está cheirando mal! – disse aflita ao chegar em casa. - Mas foi você quem escolheu carregar mágoa – disse Dona Luísa. - E o que isso tem a ver com a batata? – quis logo saber. Então, calmamente, a mãe explicou que a batatinha simbolizava a mágoa que ela sentia pela amiga. E que os sentimentos ruins não faziam mal à Lívia, mas sim à filha, que estava emitindo energias negativas, semelhante à batatinha que cheirava mal. - Quando apenas dizemos que perdoamos, mas não esquecemos o que nos magoou, é como guardar a batatinha no guarda-roupa... Ficamos guardamos algo que só nos fará mal. Já pensou depois de um mês? - Nem quero imaginar. Augusta finalmente compreendeu que ódio e mágoa são sentimentos que prejudicam somente a quem os sente. Depois dessa conversa, Augusta perdoou Lívia e esqueceu completamente o que aconteceu. Ainda hoje, quando pensa em não perdoar ou guardar mágoa de alguém, lembra logo do cheiro ruim da batata que carregou, e trata logo de perdoar a pessoa e esquecer o fato. (História baseada em mensagem sem autoria, recebida pela Internet - Claudia Schmidt